quarta-feira, 12 de julho de 2017

O Ateu que Vive em Nós


"Eu creio! Ajuda-me na minha falta de fé" (Mc 9.24)

É mais simples explicar os fatos e acontecimentos extraordinários que nos sobrevêm como sendo obra do acaso, sorte, bons fluídos, esforço pessoal, ou destino, que admitir a ação de um Deus que intervém. O fator Deus não é agradável pra muita gente. 

É mais fácil ler as Escrituras como uma literatura qualquer, e ver suas histórias como quem visita um museu, distanciando-se delas, e não perceber que "eu" sou o cego e o paralítico que precisa desesperadamente de Deus. 

É mais cômodo agir como o rei Agripa, que após ouvir o apóstolo Paulo discorrer sobre a fé, respondeu-lhe tibiamente: "por pouco me persuades a tornar cristão" (At 26.28), que ter a coragem de render-se ao Eterno. Até hoje, muitos ao serem confrontados com a genuína pregação do evangelho, é mais fácil responderem à manifestação do divino dentro do campo da estética ("foi bonito") ou da sensação ("fiquei arrepiado"), sem, entretanto, deixar-se tocar pela Presença do transcendente.

Vida sem fé e sem compromisso com o Eterno é uma vida que privilegia apenas o efêmero, o temporal e as "coisas". Isso inevitavelmente levará a um sentimento de inquietação e vacuidade, mas em virtude dos mecanismos de defesa postos em ação, logo essa insatisfação será interpretada pela alma como necessidade de adquirir "mais coisas".

Há um ateu vivendo dentro de cada um de nós que precisa "entregar os pontos" e se converter Àquele que é. Não obstante, há um longo caminho para isso, e somente quem ousa habitar o mundo da fé consegue fazê-lo.

Nossa alma é anárquica por natureza. Jesus veio por ordem no caos, da mesma forma que Deus ordenou a Terra que até então era "sem forma e vazia", ou seja, caótica como a nossa vida. Não é fácil o caminho do cavaleiro da fé. Queremos desistir, Deus manda perseverar. Queremos retroceder, Jesus diz que não é digno de seu reino quem põe a mão no arado e olha para trás. 

"Induzo o coração a guardar os teus decretos" (Sl 119.112), dizia o rei Davi. Ou seja, por ele mesmo não guardaria, a menos que tomasse o firme propósito de submeter-se ao Eterno. A vida parece ser menos penosa quando somos guiados apenas pelos instintos, posto que viver em bondade e santidade nos traz constante luta contra nossas tendências naturais.

Sim, é difícil orar, e manter a atenção sem que imediatamente nos sobrevenham pensamentos "diversionistas". É difícil perseverar seguindo um Deus invisível numa época que se busca coisas palpáveis, e é penoso esperar pacientemente pelos céus, quando em cada esquina são oferecidas "soluções"rápidas para os nossos problemas.

Isaías dizia que o Eterno era um Deus abscôndito (escondido) e Salomão afirmava que a glória de Deus é "encobrir" e a glória dos reis "esquadrinhar"(Pv 25.2). Mas agora Ele é fácil. Não é mais necessário buscá-lo, ou procurá-lo. Ele está exposto nas vitrines suplicando para ser pego. É óbvio que essa espécie de deus satisfaz plenamente ao coração descrente, agrada as multidões e não compromete. Que fique claro: trata-se não de Deus - mas de um simulacro.

A superexposição desse "deus" pelos meios de comunicação não leva ninguém à fé, mas sim à banalização do Sagrado. Não provoca mudanças na vida pessoal e muito menos na sociedade, a despeito de milhões segui-lo. 

O ateu que vive dentro de nós teme um encontro com o Eterno, pois isso desmontaria sua estrutura de vida. Então, é mais fácil buscar um arremedo do divino, pois no fundo sabe que ainda continua no comando.

"Eu creio.... ajuda-me na minha falta de fé" (Mc 9.24), gritou profunda e sinceramente o pai de um menino endemoninhado, a quem Jesus havia dito que tudo é possível ao que crê. O filho estava enfermo, mas o pai também precisava ser curado do seu espírito de ceticismo e incredulidade. O cético e o incrédulo precisam ser libertos dos poderes da morte.

A vida de fé sempre será penosa. Requer busca, entrega, consagração. Desconfie de todo "deus" que é fácil crer, pois certamente trata-se de um impostor. 

A crença fácil acaba se tornando empecilho para a chegada da fé. A verdadeira fé ama a solidão do deserto. A verdadeira fé aceita ser estrangeira no mundo. A verdadeira fé mantém-se íntegra mesmo diante de decepções e perplexidades. E o ateu que vive dentro de nós precisa morrer. Pastor Daniel Roch

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